Introdução à Rota Marítima da Seda


1. O que é a Rota Marítima da Seda?

 

A Rota é uma rede de rotas marítimas entre o século II aC e meados do século XIX, antes de os barcos a vapor substituírem os veleiros. Por essas rotas, os antigos mercadores aproveitaram as condições naturais, como monções e correntes oceânicas, e usaram técnicas tradicionais de navegação para realizar intercâmbios multidisciplinares com grandes áreas marítimas e zonas costeiras nas latitudes médias e baixas do mundo.

O termo “Rota Marítima da Seda” é uma combinação de “rota da seda” como base e “marítimo” para definir a sua amplitude e forma de transporte. A “Rota da Seda”, derivada de antigos textos de geografia gregos, referia-se a uma rota comercial do rio Eufrates para o leste até o reino de “Seres” (China), conforme foi registado pelo antigo geógrafo grego, Marinus. Em meados do século XIX, o geógrafo britânico Henry Yule verificou e documentou esta rota. Mais tarde, o geógrafo alemão Richthofen deu à rota comercial um termo mais descritivo, a “Rota da Seda (Seidenstrasse)”, no primeiro volume (1877) de seu China: Os Resultados das Minhas Viagens e os Estudos com Base Nelas. A designação foi então amplamente divulgada pelo êxito de vendas A Rota da Seda, do estudioso sueco Sven Hedin.

No início do século XX, o estudioso francês Chavannes ampliou o conceito de Rota da Seda, afirmando que “a Rota da Seda consistia em duas rotas, uma por terra e outra por mar; a rota do Norte parte de Sogdiana e a do Sul é uma passagem por mar que liga aos portos da Índia”. Mais tarde, Paul Pelliot, Ji Xianlin e outros também mencionaram ou examinaram a rota marítima da China para a Índia nos seus respectivos tratados. Na década de 1960, uma série de estudos de académicos japoneses sobre o comércio de porcelana marítima, tendo a China como país exportador, deu origem ao nome “Rota Marítima da Seda”. Com a porcelana, a mercadoria que mais interessava, a Rota Marítima da Seda apenas pediu emprestado o significado simbólico da “Rota da Seda”. Até 1974, o estudioso chinês Jao Tsung-I discorreu sobre a rota de exportação da seda chinesa sob a designação de “A Rota da Seda do Mar” no apêndice de seu Os Tecidos de Shu e Cinapatta – Sobre as primeiras ligacões entre a China, a Índia e a Birmânia. O tema era semelhante ao que Ji Xianlin já havia discutido na “Via Marítima da China Meridional”, através da qual a seda chinesa era exportada para a Índia. Na década de 1980, Chen Yan abordou explicitamente a “Rota Marítima da Seda” referindo-se à rota pela qual os produtos de seda chineses eram exportados da China em diferentes períodos.

 

2. O Espaço e o Tempo da Rota Marítima da Seda

 

(1) O Espaço

Como um sistema de transporte heterogéneo, a Rota Marítima da Seda estende-se desde o arquipélago do Japão, no extremo-oriente, até a costa ocidental do Mar Mediterrâneo. De acordo com suas características geoespaciais e desenvolvimento histórico, as áreas abrangidas podem ser divididas em seis placas: Ásia Oriental, Sudeste Asiático, Ásia Meridional, Ásia Ocidental, África Oriental e Mediterrâneo. Em termos visuais, a Rota Marítima da Seda apresenta-se como uma rede entrecruzada por inúmeras rotas marítimas que ligam muitos portos importantes, como Alexandria, Beirute e Istambul na placa do Mediterrâneo; Mogadíscio, Mombaça e Kilwa na placa da África Oriental; Ormuz e Aden na placa da Ásia Ocidental; Calicute, Cochin, Thanjavur e Galle na placa do sul da Ásia; Malaca e Palembang na placa do Sudeste Asiático; e Guangzhou e Ningbo na placa da Ásia Oriental.

A formação e desenvolvimento desses portos ao longo da Rota Marítima da Seda foi influenciado por factores geográficos e políticos, bem como económicos e culturais, mas também tiveram grande relevância os padrões de produção no interior (da China) e o seu sistema de tráfego hidroviário. No período específico após a implantação desses portos, eles tiveram uma longa continuidade e um forte efeito de adsorção, tornando-se e servindo como polos regionais de distribuição comercial e postos avançados de intercâmbios culturais durante algum tempo. Tendo os portos como núcleo central, toda a vasta área, alicerçada na importante infraestrutura de transporte hidroviário e de navegação, aliada às instalações de produção de mercadorias do comércio marítimo e/ou resultantes das actividades comerciais e de intercâmbio cultural, tornaram-se os nós mais importantes que vieram a definir o formato geral da Rota Marítima da Seda.

Ao longo da rede de interacção da Rota Marítima da Seda, alguns desses nós, com os seus bens e materiais, tecnologias, população e elevado poder aquisitivo, forneceram apoios e garantias particularmente importantes à navegação entre as seis placas. Esses nós também estavam geograficamente concentrados, de modo que as áreas por eles conectadas acabaram por se tornar os principais destinos para as trocas comerciais, culturais e tecnológicas ao longo da Rota Marítima da Seda e onde foram descobertas as provas mais tangíveis dessas trocas. No quadro do património mundial, podemos considerar estas “esferas de interacção dinâmica” como as portadoras mais importantes e típicas dos valores únicos da Rota Marítima da Seda.

 

(2) O Tempo

 

Antes do século II aC, havia algum comércio marítimo no interior de cada uma dessas placas e entre as placas mais próximas. Por volta do século II aC, com o desenvolvimento de várias rotas e a expansão do comércio, pode-se argumentar que já estava realmente formada a Rota Marítima da Seda, interligando aquelas grandes placas. Ao longo da sua história de dois mil anos, a Rota Marítima da Seda caracteriza-se por quatro períodos distintos.

O primeiro período (do século II aC ao final do século 6) foi o início da Rota Marítima da Seda. Com o domínio dos padrões das monções, as anteriores redes regionais de comércio foram sendo interconectadas para formar um sistema comercial global inicial, que também levou a interacções culturais e religiosas. Em termos de mercadorias, as moedas de ouro romanas do Ocidente e a seda do Oriente eram os itens mais típicos desse sistema interactivo. Culturalmente, o cristianismo difundiu-se do Mediterrâneo para o sul da Ásia, e o budismo do sul da Ásia para o sudeste da Ásia e Ásia oriental. Entretanto, a vantagem geográfica do Sudeste Asiático fez dele um elo fulcral na manutenção desta rede global.

O segundo período (do início do século VII ao final do século X) marcou o amadurecimento da Rota Marítima da Seda, quando a rede de trocas comerciais e culturais se desenvolveu mais e de forma mais sistemática. Aumentou a variedade de mercadorias trocadas, com a porcelana começando a aparecer em todas as seis placas ao longo da rota e o comércio de especiarias elevando ainda mais o estatuto do Sudeste Asiático. Culturalmente, a civilização chinesa desenvolveu-se de forma constante, a civilização islâmica emergiu e o budismo difundiu-se ainda mais da China para outras partes da Ásia Oriental. À medida que a interacção se aprofundava, surgiram comunidades de comerciantes estrangeiros e os mercadores muçulmanos começaram a instalar-se por todo o mundo.

O terceiro período (do início do século XI a meados do século XV) foi o apogeu da Rota Marítima da Seda, criando um cenário florescente de convivência diversificada e harmoniosa entre povos e civilizações. Um grande número de relíquias dos naufrágios deste período testemunham o intenso intercâmbio de mercadorias. A difusão das religiões favoreceu os intercâmbios culturais. Por exemplo, o Sudeste Asiático e a África Oriental foram islamizados até certo ponto, com esta última a assistir ao surgimento de comunidades Swahili; Mercadores e marinheiros hindus deixaram traços de hinduísmo e suas relíquias arquitectónicas na região leste do Oceano Índico; e amadureceu o sistema de comércio tributário na Ásia Oriental, com as autoridades chinesas a apoiar fortemente o comércio exterior, e os comerciantes chineses activos no Sudeste Asiático durante as sete viagens do Almirante eunuco Zheng He. A Rota Marítima da Seda gerou comunidades urbanas multiculturais, como as de Quanzhou, Malacca e Galle.

O quarto período (de meados do século XV até meados do século XIX) foi a transição para o desenvolvimento contínuo. Este período começou com a Era dos Descobrimentos e o comércio de galeões e terminou com o uso generalizado de navios movidos a vapor. As mercadorias para troca ainda eram sobretudo as porcelanas, especiarias e pimentas, mas os principais comerciantes mudaram quando os europeus começaram a trilhar a Rota Marítima da Seda e abriram novas rotas através do Pacífico a partir das Américas. Culturalmente, o catolicismo foi difundido rapidamente pelos colonos europeus e, portanto, coexistiu com o budismo e o islamismo, que se tinham enraizado nessas importantes “esferas de interacção dinâmica”. Na verdade, este período foi marcado por uma transição e transformação significativas, pois a Rota Marítima da Seda foi inevitavelmente expandida para uma rede verdadeiramente global a partir de meados do século XV, quando os navegadores europeus iniciaram o “comércio dos galeões” na sequência das suas “grande descobertas”. Novos centros e rotas comerciais substituíram gradualmente as áreas tradicionais com as interacções maiores e o comércio mais frequente e, à medida que as novas rotas se expandiram e cresceu a escala do comércio, mudaram substancialmente os actores e os modos de comércio.

Após meados do século XIX, os navios a vapor substituíram os veleiros como principal meio de transporte marítimo. Vários países europeus estabeleceram extensas colónias ao longo de grande parte das rotas comerciais marítimas. Concluía-se assim a transição das rotas comerciais marítimas tradicionais para a era moderna.

 

3. O Sistema Patrimonial da Rota Marítima da Seda na China

 

Espalhados pelas vastas áreas costeiras da China estão um bom número de patrimónios tangíveis relacionados com a Rota Marítima da Seda. As áreas envolvidas dentro da China consistem em quatro grandes esferas de interacção dinâmica, a saber: Huang-Bohai (mares Amarelo e Bohai), bacia do rio Iangtsé, Mar da China Oriental e estreito de Taiwan e Mar da China Meridional. Ao longo de mais de dois mil anos de conexão e interacções, essas áreas formaram um estreito sistema de intercâmbio comercial, político, cultural e religioso com o arquipélago do Japão e a península da Coreia no nordeste da Ásia, bem como com a placa do sudeste asiático, constituindo assim o núcleo da placa da Ásia oriental da Rota Marítima da Seda.

Os locais históricos chineses ao longo da Rota Marítima da Seda estão distribuídos nas províncias/cidades/regiões costeiras da China de Hebei, Shandong, Jiangsu, Xangai, Zhejiang, Fujian, Guangdong, Guangxi e Hainan, além da Região Administrativa Especial de Macau. Eles são as testemunhas mais importantes da cultura marítima chinesa e a expressão tangível mais típica na placa da Ásia oriental das práticas activas de navegação, comércio próspero de mercadorias e extensos intercâmbios culturais realizados ao longo da Rota Marítima da Seda, testemunhando o progresso civilizacional baseado no mar. Nessas áreas, a "Rota Marítima da Seda: Locais Históricos na China", composta por uma série de propriedades históricas típicas da interacção transoceânica, pode reflectir de forma vívida o processo de desenvolvimento e os valores do papel activo da China na Rota Marítima da Seda no Oriente.

O património da Rota Marítima da Seda divide-se em três categorias: infraestruturas, relíquias de produção e bens patrimoniais relacionados.
(1) Infraestruturas: incluindo cais, auxílios à navegação (faróis, edifícios religiosos ou outros tipos de edifícios utilizados para fins de navegação), cais, armazéns, fortes, instituições administrativas, instalações de culto marítimo, etc;
(2) Instalações de produção: incluindo principalmente instalações de produção de bens (fornos de porcelana, oficinas têxteis, oficinas de produtos artesanais, locais de recolha e produção de matérias-primas, locais de mineração de metais preciosos, etc.), instalações para actividades comerciais (mercados, entrepostos comerciais, colonatos, etc.);
(3) Bens patrimoniais conexos: incluindo relíquias de intercâmbios religiosos (locais de actividades religiosas e túmulos), relíquias de intercâmbios culturais e relíquias de intercâmbios políticos e diplomáticos.

Especificamente, no sistema patrimonial marítimo da Rota da Seda da China, 'infraestruturas' inclui vestígios de portos e instalações de navegação, incluindo cais e estaleiros, remanescentes de instalações administrativas representadas por escritórios de autoridades locais e instalações de armazenamento, instalações de actividades sacrificiais às divindades do mar peculiares à navegação marítima, todos eles são testemunhas únicas da segurança material, tecnológica e espiritual essencial às antigas interacções marítimas; as instalações de produção de porcelana – o principal produto de exportação da China na Rota Marítima da Seda – compostas por fornos, testemunham o florescimento do comércio de mercadorias ao longo da Rota Marítima da Seda e a consequente disseminação e intercâmbio de tecnologias de produção e ideias estéticas; e, bens patrimoniais, incluindo relíquias religiosas, túmulos de personagens relevantes e assentamentos que são produtos directos do comércio próximo, interacções religiosas e culturais veiculadas pela Rota Marítima da Seda, incorporam a profunda influência da Rota Marítima da Seda na história humana e sua civilização.

Os locais históricos da Rota Marítima da Seda da China são a cristalização do espírito destemido e explorador dos povos antigos e o conceito de interacção pacífica e coexistência pluralista na Rota Marítima da Seda. Eles testemunham o permanente comércio marítimo e os intercâmbios entre povos de uma longa história, e os consequentemente extensos intercâmbios a nível de religião, cultura e tecnologia e a tradição cultural especial “baseada no mar” na sociedade costeira chinesa.